09 julho 2020

Leituras - "Lillias Fraser" de Hélia Correia

“… Avistaram as torres do Convento e desde então não mais se interrogaram sobre o caminho que iam prosseguir. Não que a imensa construção fosse dotada de atracção de um santuário ou da pedra pagã. A própria cor, de um amarelo queimado, estabelecia que tipo de poder mandava ali. Era o poder do rei, que iluminava e forçava a cegueira, como um sol. Tudo aquilo se vergava à mão humana, e a solenidade de uma prece, a imponência da paisagem soçobravam num cenário de trono e diamantes. Demonstrava-se à França e à Espanha que os monarcas de Portugal tinham tamanho de gigantes…”

in "Lillias Fraser" de Hélia Correia


























O romance conta-nos a história de Lillias Fraser, criança sobrevivente ao massacre dos clãs Escoceses levado a cabo pelos Ingleses, após a célebre batalha de Culloden em 1746.  Lillias, que tem olhos dourados e um dom de vidente que lhe permite ver a morte antecipada de algumas pessoas, segue um percurso que a traz da Escócia até Lisboa, à época do terramoto de 1755. Após o tremer da terra e na fuga ao terror e à morte, encontra pelo caminho Cilícia, figura onde encontra algumas reminiscências maternais e ambas acabam por ir ter a Mafra onde se escondem no convento por algum tempo, juntamente com uns trabalhadores do mesmo. O romance segue com as aventuras e desventuras de ambas, sendo a escrita de uma riqueza e beleza extraordinárias. No final, há uma ligação a uma das minhas personagens preferidas de José Saramago, Blimunda Sete-Luas, que aparece para encarnar finalmente uma verdadeira figura maternal para Lillias. Afinal, ambas têm o dom de ver “dentro das pessoas”. É a ficção, dentro da própria ficção.

Sem comentários: