“…
Avistaram as torres do Convento e desde então não mais se interrogaram sobre o
caminho que iam prosseguir. Não que a imensa construção fosse dotada de
atracção de um santuário ou da pedra pagã. A própria cor, de um amarelo
queimado, estabelecia que tipo de poder mandava ali. Era o poder do rei, que
iluminava e forçava a cegueira, como um sol. Tudo aquilo se vergava à mão humana,
e a solenidade de uma prece, a imponência da paisagem soçobravam num cenário de
trono e diamantes. Demonstrava-se à França e à Espanha que os monarcas de Portugal
tinham tamanho de gigantes…”
in "Lillias Fraser" de Hélia Correia
O romance conta-nos a história de
Lillias Fraser, criança sobrevivente ao massacre dos clãs Escoceses levado a
cabo pelos Ingleses, após a célebre batalha de Culloden em 1746. Lillias, que tem olhos dourados e um dom de
vidente que lhe permite ver a morte antecipada de algumas pessoas, segue um percurso
que a traz da Escócia até Lisboa, à época do terramoto de 1755. Após o tremer
da terra e na fuga ao terror e à morte, encontra pelo caminho Cilícia, figura
onde encontra algumas reminiscências maternais e ambas acabam por ir ter a
Mafra onde se escondem no convento por algum tempo, juntamente com uns
trabalhadores do mesmo. O romance segue com as aventuras e desventuras de ambas, sendo a escrita de uma riqueza e beleza extraordinárias. No final, há uma ligação a uma das
minhas personagens preferidas de José Saramago, Blimunda Sete-Luas, que aparece
para encarnar finalmente uma verdadeira figura maternal para Lillias. Afinal, ambas têm o dom de ver “dentro das pessoas”. É a ficção, dentro da própria
ficção.
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