Fotografia emprestada daqui
O dia nascera solarengo, o que ajudava a minimizar os efeitos do frio de Outono, que tinha chegado de forma ríspida, quase a querer fazer uma entrada directa no Inverno. O jardim estava tranquilo, nas suas cores quentes da estação. Os caminhos agora transformados em tapetes tecidos por folhas castanhas e laranjas atraíam as crianças, nas suas brincadeiras e risadas.
O rapazito chegou com o seu acordeão pendurado no ombro, olhou em volta e decidiu-se por um banco de pedra junto ao fontanário do jardim. Tinha um aspecto franzino a rondar os 12 anos. Vestia umas calças de ganga surradas, uma camisola de lã azul escura com gola alta e um casaco de fazenda cinzenta, que lhe ficava grande de mais. Na cabeça, um boné com um emblema desportivo. A roupa, apesar de modesta e de parecer muito usada, tinha um ar de bem tratada. Pousou com uma delicadeza extrema o acordeão. Despiu o casaco, que virou ao contrário e dobrando-o com o maior cuidado, colocou-o ao lado do instrumento musical. Arregaçou as mangas e mergulhou as mãos na água da fonte, lavando-as energicamente, como se quisesse retirar qualquer resquício de poeira que por lá tivesse ficado. Sacudiu-as no ar espalhando uma miríade de gotas de água, o que acabou por assustar dois pombos que entretanto se tinham aproximado, numa curiosidade pateta, debicando aqui e ali. Sentou-se no banco, tirou o boné e pousou-o ao seu lado, virado ao contrário. Puxou o acordeão para si, ajeitou-o, abriu-o e fechou-o por três vezes num leque de escalas musicais, respirou fundo, fechou os olhos e começou a tocar.
Numa espiral em crescendo, a música encheu o ar. A melodia, inesperadamente harmoniosa e sedutora, parecia contar uma história. As pessoas que passeavam pelo jardim, atraídas pelo som, aproximaram-se aos poucos, acabando por formar um semi-círculo em torno do pequeno artista e do seu acordeão. A magia daquela música inundou tudo e todos, numa emoção de sentimentos comuns. A genialidade presente, naquilo que parecia ser uma execução perfeita, aliava-se à beleza da melodia e à inspiração do local. Tudo se conjugou para um momento perfeito. Quando as últimas notas se diluíram, houve um segundo de silêncio suspenso no ar e depois os aplausos irromperam num entusiasmo feliz. Sorrindo timidamente, o jovem agradeceu num aceno reconhecido. As moedas caíram no boné em descanso. Cumprida a sua missão o rapazito colocou as moedas no bolso e o boné na cabeça. Vestiu o casaco e com um gesto seguro voltou a colocar o acordeão pendurado ao ombro. Partiu, levantando folhas pelo caminho e deixando atrás de si um rasto de magia no ar ….
Custódia
Agosto 2009
Momento de Outono
O dia nascera solarengo, o que ajudava a minimizar os efeitos do frio de Outono, que tinha chegado de forma ríspida, quase a querer fazer uma entrada directa no Inverno. O jardim estava tranquilo, nas suas cores quentes da estação. Os caminhos agora transformados em tapetes tecidos por folhas castanhas e laranjas atraíam as crianças, nas suas brincadeiras e risadas.
O rapazito chegou com o seu acordeão pendurado no ombro, olhou em volta e decidiu-se por um banco de pedra junto ao fontanário do jardim. Tinha um aspecto franzino a rondar os 12 anos. Vestia umas calças de ganga surradas, uma camisola de lã azul escura com gola alta e um casaco de fazenda cinzenta, que lhe ficava grande de mais. Na cabeça, um boné com um emblema desportivo. A roupa, apesar de modesta e de parecer muito usada, tinha um ar de bem tratada. Pousou com uma delicadeza extrema o acordeão. Despiu o casaco, que virou ao contrário e dobrando-o com o maior cuidado, colocou-o ao lado do instrumento musical. Arregaçou as mangas e mergulhou as mãos na água da fonte, lavando-as energicamente, como se quisesse retirar qualquer resquício de poeira que por lá tivesse ficado. Sacudiu-as no ar espalhando uma miríade de gotas de água, o que acabou por assustar dois pombos que entretanto se tinham aproximado, numa curiosidade pateta, debicando aqui e ali. Sentou-se no banco, tirou o boné e pousou-o ao seu lado, virado ao contrário. Puxou o acordeão para si, ajeitou-o, abriu-o e fechou-o por três vezes num leque de escalas musicais, respirou fundo, fechou os olhos e começou a tocar.
Numa espiral em crescendo, a música encheu o ar. A melodia, inesperadamente harmoniosa e sedutora, parecia contar uma história. As pessoas que passeavam pelo jardim, atraídas pelo som, aproximaram-se aos poucos, acabando por formar um semi-círculo em torno do pequeno artista e do seu acordeão. A magia daquela música inundou tudo e todos, numa emoção de sentimentos comuns. A genialidade presente, naquilo que parecia ser uma execução perfeita, aliava-se à beleza da melodia e à inspiração do local. Tudo se conjugou para um momento perfeito. Quando as últimas notas se diluíram, houve um segundo de silêncio suspenso no ar e depois os aplausos irromperam num entusiasmo feliz. Sorrindo timidamente, o jovem agradeceu num aceno reconhecido. As moedas caíram no boné em descanso. Cumprida a sua missão o rapazito colocou as moedas no bolso e o boné na cabeça. Vestiu o casaco e com um gesto seguro voltou a colocar o acordeão pendurado ao ombro. Partiu, levantando folhas pelo caminho e deixando atrás de si um rasto de magia no ar ….
Custódia
Agosto 2009
1 comentário:
Bonito para quem viu e lindo para quem te leu...
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