03 outubro 2008

Memórias da Linha de Cascais (1)

Recentemente recebi de uma amiga, o livro “Memórias da Linha de Cascais” de Branca de Gonta Gonçalo e Maria Archer. Escrito em 1943, teve como única pretensão das autoras “…tornar mais conhecido e mais querido o rosário das povoações escalonadas ao longo da linha de Cascais”. O livro é delicioso, com detalhes pitorescos, muitos deles perdidos na memória e no tempo. Apeteceu-me transcrever aqui o capítulo sobre Carcavelos, para onde vim morar 3 anos depois de ter nascido (deixando o meu querido Alentejo) e onde já estou há algumas décadas. Será assim o primeiro de 3 ou 4 posts sobre o assunto …
“... O Tejo mergulha no oceano junto aos Penhascos de S. Julião da Barra. A “margem direita” termina no sopé dos muros da fortaleza com que D. Sebastião defendeu a entrada do rio. Para oeste, rochas e terras retraem-se numa chanfradura nova e deslumbrante, que vai indo, de praia em praia e de recorte em recorte, até ao extremo da baía de Cascais, Carcavelos fica na ponta da via maravilhosa. Começa ali a Costa do Sol.

Quem passa por Carcavelos encontra três aspectos diversos no seu urbanismo – três aspectos de isolamento para uma localidade.

Indo de comboio, afasta-se com ele do mar e passa na povoação. Depara-se com o trecho paisagístico da estação ferroviária, quadro provinciano de bilhete-postal, a lembrar uma gare do Ribatejo ou da Estremadura, com a sua vista de rua nova ao longo da linha. Indo pela estrada velha de Cascais atravessa um trecho do antigo povoado num panorama de casas modestas. Indo pela avenida marginal atravessa uma via esplendorosa, apenas enquadrada pelo mar, a praia, as escadarias monumentais, do outro lado os arvoredos e os muros das quintas por onde passa a nova avenida de acesso á estação.

E depois destas três travessias perguntamos aos nossos botões ou aos do nosso vizinho:
- Onde fica essa afamada estância marítima a que chamam Carcavelos? Onde se oculta a povoação velha e revelha que deu nome aos vinhos generosos das redondezas? Onde está metida a mancha multicolor do aglomerados humano em que se refugiam os ingleses, os alemães, os portugueses, moradores neste começo da Costa do Sol?

Avista-se de comboio, no alto do cerro fronteiro à estação, a igreja de S. Domingos de Rana. Paisagem sul-alentejana, paisagem mosárabe, limpa do vulto airoso das árvores. A frontaria da Igreja, estilo do século XVI, é linda, como proporção, como composição, como realização. Tem um teto pintado por Pedro Alexandrino, um quadro célebre do mesmo autor.

Mas não é para aquelas bandas, decerto, no alto do cerro escalvado, tão longe do mar e das estradas, o poiso da povoação de Carcavelos. Então?

Carcavelos, como a princesa do conto árabe – só se deixa ver a quem quiser casar com ela ….”

in “Memórias da Linha” de Branca de Gonta Gonçalo e Maria Archer

5 comentários:

Luís F. disse...

Que giro! Desconhecia a existência deste livro... Cá esperamos os restantes 3 ou 4 posts sobre o assunto! :)

Bom Fim-de-Semana!!!

SC disse...

Muito giro! :)
Bom fim-de-semana!

Suzi disse...

Uia!! Que descrição linda!!
E vamos combinar: se aí é que começa a "Costa do Sol", eu já me apaixonei...
Estou no aguardo dos demais posts.
;)

Beijitos!

mfc disse...

Tempos em de poluição não se ouvia falar!
...e foi há tão pouco tempo!

tomás colaço disse...

Branca de Gonta Colaço deixou também algumas correções a esse livro. São consultáveis se algu
ém quizer ser mais rigoroso.
1 ab Tomás Colaço