Camilo
Castelo Branco nasceu faz hoje 200 anos. Será que os seus livros ainda cativam leitores?
E esses leitores serão de uma faixa etária mais velha ou os jovens ainda se
conseguem deixar agarrar pela sua escrita? Penso que tudo dependerá de como é
feita a primeira abordagem. Imaginemos que alguém abre ao acaso “O Amor de
Perdição” e lê o início do Capítulo VIII, não se deixaria levar?
“…Mariana,
a filha de João da Cruz, quando viu seu pai pensar a chaga do braço de Simão,
perdeu os sentidos. O ferrador riu estrondosamente da fraqueza da moça, e o
académico achou estranha sensibilidade em mulher afeita a curar as feridas com
que seu pai vinha laureado de todas as feiras e romarias.
–
Não há ainda um ano que me fizeram três buracos na cabeça, quando eu fui à
Senhora dos Remédios, a Lamego, e foi ela que me tosquiou e rapou o casco à
navalha – disse o ferrador. – Pelo que vejo, o sangue do fidalgo deu volta ao
estômago da rapariga!... Estamos então bem aviados! Eu tenho cá a minha vida, e
queria que ela fosse a enfermeira do meu doente.... És, ou não és, rapariga? –
disse ele à filha, quando ela abriu os olhos, com semblante de envergonhada da
sua fraqueza.
–
Serei com muito gosto, se o pai quiser.
–
Pois então, moça, se hás-de ir costurar para a varanda, vem aqui para a beira
do senhor Simão. Dá‑lhe
caldos a miúdo, e trata‑lhe da ferida; vinagre e mais vinagre,
quando ela estiver assim a modo de roxa. Conversa com ele, não o deixes estar a
malucar, nem escrever muito, que não é bom quando se está fraco do miolo. E
vossa senhoria não tenha aquelas de cerimónia, nem me diga à Mariana – a menina
isto, a menina aquilo. É – rapariga, dá cá um caldo; rapariga, lava‑me o braço, dá cá as compressas – e nada de políticas. Ela está aqui como sua criada, porque eu já lhe disse que, se não fosse o pai de vossa senhoria, já ela há muito tempo que andava por aí
às esmolas, ou pior ainda. É verdade, que eu podia deixar‑lhe uns benzinhos, ganhos ali a suar
na bigorna há dez anos,
afora uns quatrocentos mil réis
que herdei de minha mãe,
que Deus haja; mas vossa senhoria bem sabe que, se eu fosse à forca ou pela barra fora, vinha a
justiça, e tomava
conta de tudo para as custas…”
In “Amor de Perdição” Capítulo VIII
Sem comentários:
Enviar um comentário