03 junho 2009

Conto

O Despertar
Acordou lentamente com a cabeça a querer explodir. Demorou a perceber onde estava. Tentou abrir os olhos e o sol que entrava pela janela atingiu-o violentamente como se de um raio se tratasse. A rigidez por baixo do seu corpo fê-lo perceber que não estava na cama. Dolorosamente abriu os olhos e viu que estava no chão da sala, com uma das pernas apoiada no sofá. Apesar do silêncio em casa ser absoluto, sentiu que devia ser tarde pelos barulhos exteriores. Ouvia-se o piano da vizinha do lado e gritos de crianças a brincar no jardim da frente. Levantou-se cambaleando ainda com os efeitos do álcool a fazer-se sentir. Ao passar na entrada viu que a cozinha estava vazia e dirigiu-se para os quartos, percebendo rapidamente que estava sozinho. Quando espreitou o quarto do filho pareceu-lhe que alguma coisa estava errada, tendo a confirmação quando entrou no seu quarto. Alguns dos objectos tinham desaparecido de cima da cómoda, as portas do roupeiro estavam abertas e faltavam roupas. As roupas da sua mulher. Sentiu o estômago a contrair-se. Correu de novo para o quarto do filho, agora totalmente desperto. A maior parte dos brinquedos tinham desaparecido, os armários praticamente vazios, tudo com o aspecto de ter sido esvaziado à pressa. Correu à casa de banho e também ali faltavam escovas, boiões e outros objectos pessoais. No escritório, a secretária da sua mulher parecia ter sido varrida pelo vento, faltava o portátil e havia papeis, lápis e clips espalhados, como se ela tivesse feito uma recolha rápida das coisas mais básicas, numa imensa pressa de partir. Sentiu um vómito súbito e fez um esforço para o controlar. Voltou à sala e só então percebeu a desordem na mesma. Duas cadeiras estavam caídas, havia revistas pelo chão e a jarra com flores habitualmente em cima da mesa grande tinha caído com a água a manchar a superfície. Fez um esforço para se lembrar do que tinha acontecido na véspera, mas o cérebro ainda estava cheio de nuvens pesadas. Foi à cozinha e o caos era total, havia louça partida, bancos caídos, comida espalhada pelo chão e …. sangue, manchas de sangue na porta do frigorífico. Sentiu-se gelar. Cambaleou e teve que se apoiar no balcão para não cair. A imagem da mulher a ser violentamente atirada contra o frigorífico fez-se nítida na sua mente. Lembrou-se do grito e do seu olhar de infinita surpresa antes de cair desamparada no chão. Recordou-se de a ter pontapeado numa fúria incontrolável e quando ela ficou quieta e enrolada sobre si mesma dirigiu-se à sala e simplesmente apagou. E agora estava sozinho. O que tantas vezes lhe passara pela cabeça acontecera. O álcool tinha-o levado longe demais e fizera-o perder o controlo. Olhou para cima do frigorífico e viu a fotografia do filho, a rir numa gargalhada com os seus olhos grandes e expressivos. Agarrou a moldura, apertando-a contra o peito e desmoronou, caindo por terra. As lágrimas brotaram num soluço incontrolável, percebendo que tinha perdido o que de melhor a vida lhe dera. A raiva contra si próprio inundou-o fazendo-o bater a cabeça repetidas vezes no chão. Ao mesmo tempo começou a sentir uma nova força a crescer dentro de si. Ia lutar contra o maldito vício, ia recuperar a sua família e o seu trabalho. Poderia levar meses, anos, mas iria conseguir. E começou lentamente a levantar-se …….
Custódia
Abril 2009

8 comentários:

Helena de Tróia disse...

Gostei. e para além do mais um final feliz!

marta r disse...

Hum, não sei se merece recuperar o que perdeu.

Unknown disse...

Talvez ainda não seja tarde.

PreDatado disse...

O comentário da Maria José era meu, só que não tinha feito o meu Sign in e estava o dela. Sorry.

Capitão Gancho disse...

Bom se vai levar muitos anos, o melhor mesmo é deixar a familia em paz...não a merece...

tudo tem um tempo, e esse rapaz pode até recuperar-se, mas definitivamente deve deixar a familia ir em sossego.

O tempo dele esgotou-se, mas tem sempre a vizinha ao lado a do piano, quem sabe, podem viver felizes para sempre...

Estou aqui baralhado não é a tua vizinha do lado que toca ou melhor " massacra " o piano?

1entre1000's disse...

BOLAS... MUITO BOM!

Mikas disse...

Vai haver continuação? Vai vai?

susana disse...

espero que nos continues a presentear com mais. gostei muito