05 junho 2007

Uma lembrança

A propósito do post anterior, aqui estão algumas “palavras alentejanas” integradas em contexto próprio, para um melhor entendimento. No final, imagens para ajudar na tradução :)

Estava uma manhã fresca e luminosa. Como ainda era cedo, decidi ir até ao poço e abastecer a casa de água.
Fui até à arramada, buscar o burro e em seguida as enfusas. Amarrei uma de cada lado da albarda e desci a ladeira, por entre estevas, até chegar ao vale onde ficava o poço. Enquanto descia, o perfume da giesta e do rosmaninho invadia-me os sentidos. Ao longe, ouviam-se os chocalhos das ovelhas.
Chegada ao poço, amarrei o burro ao chaparro mais próximo e lancei-me ao trabalho. Mergulhei o caldeirão na água fresca, por várias vezes, até encher as enfusas. Fiquei com sede. Pendurado num espigão ao lado do poço, estava um cucharro. Enchi-o de água e bebi com prazer.
Antes de iniciar a subida de regresso, deitei-me por momentos na erva húmida e deixei-me ficar a olhar o céu e a sentir o calor do sol. Num charco próximo, algumas rãs brindavam a manhã com uma sinfonia afinada.
Subi de novo até ao monte e encontrei a minha Tia que vinha do forno.
- Foste à água?
- Fui …. quer que faça mais um carrego?
- Não filha, tem avondo! Agora vai até à cozinha e vai comer, que deves estar com fome. O presunto e o chouriço estão no tarro e na plengana estão uns torresmos deliciosos. Há café e pão fresco, acabadinho de sair do forno….

Era o início de mais um dia feliz, numa das muitas férias passadas no Alentejo …...
Tarro e cucharro


plengana








flor de esteva




enfusa

19 comentários:

Suzi disse...

Poesia, carinho, coisas da fazenda, a gente sempre entende, mesmo que não compreenda o vocabulário usado... rs*

(curiosidade: aqui, mesmo com id~entico significado, grafamos húmida sem o "h" - úmida; e segue-se assim: humidade/umidade. curioso, não?)

marta r disse...

Hummmm... que bela prosa.
E que belas recordações que também são minhas. Até senti um cheirinho do Monte aqui..

Su disse...

Olá Custódia!
Há dias andei por lá e apanhei um ramo de estevas, para perfumar a casa. Vou tentar fazer uns sabonetes naturais com aroma de esteva!!! Se alguém souber onde existe essência dessa flôr...Bjinhos

Anónimo disse...

Tá inspirada, sim senhora...mas o PLENGANA e a FLOR DE ESTEVA, para mim são uma completa novidade...a menina não inventou?
Hum...
É verdade que tenho menos anos de Alentejo de que tu...(nasci depois...)mas nunca ouvi semelhantes termos...

Miss Alcor disse...

Que história fantástica! E que palavras deliciosas!
Adorei o "avondo" imagino que seja uma espécia de "tem calma"!

Simplesmente delicioso!!!

(por acaso agora um rodelinha de chouriço com um bocadinho de boroa não ia mal, não...) ;)

Custódia C. disse...

Hoje, excepcionalmente, vou comentar estes comentários :)

Suzi - grandes férias passadas na adolescência! Há muitas palavras que grafamos mesmo de forma diferente :)

Su - onde encontrar a essência não sei .. só sei que na Serra há estevas aos "montes" :)

Marta - Estou com umas saudades do Monte ...

CR - puxa não te lembras das estevas? Quando íamos para o Monte Velho, o que mais havia era estevas pelo caminho, eram ligeiramente pegajosas! Espreita aqui http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=1648&iLingua=1

Quanto ao termo plengana, a Tia dizia muitas vezes quando se referia àquelas tijelas lindas que tinha nos peais, ao lado da chaminé...... lembras-te?

Custódia C. disse...

Miss Alcor - Tem avondo, quer dizer "já chega" ... :) e olha que a história é verdadeira, passei muitas manhãs semelhantes àquela :)

Anónimo disse...

Hum...pensei que estavas a chamar ao baldito de barro " Flor de esteva", como estava ao lado, mas referias-te aquela folhita azul pintada na tal penglana?
Hum...

Custódia C. disse...

Oh CR tás um cadito baralhadita. Pronto já coloquei as legendas de forma mais identificativa :)

marta r disse...

ah ah ah ah! As cotas estão nostálgicas!

Célia disse...

Ainda hoje tiramos água do poço com o caldeirão, quando estou na nossa casinha do Alentejo... Podendo parecer fácil, exige alguma técnica! :)
Na casa da minha avó havia várias enfusas e bebíamos sempre água de lá.

Obrigado pelas boas recordações que este post me trouxe ;)

Miss Alcor disse...

É uma história maravilhosa! E imagino que tenham sido umas óptimas manhãs!
Nunca passei uma manhã assim. Já fiz muita coisa, desde semear batata, até apanhar frutas das àrvores, mas a tua história é das mais belas que li até hoje.
E a expressão "tem avondo" é simplesmente linda.

Luís F. disse...

Adorei este relato rural alentejano... muito giro, mesmo!!

Bom Feriado!!

Miguel S. disse...

Este "alentejanês" é uma pérola! Gostei muito!
Bom feriado!

João Silva disse...

Belo Alentejo! Terra de alguns amigos meus, de paisagens magníficaas, localidades lindíssimas... gastronomía divinal, enfim.... adoro!

Suzi disse...

Voltei porque tive saudades de ti, hoje de manhã. Talvez porque o dia amanheceu com uma névoa imensa, lembrando-me manhãs na fazenda, no meio do campo.
Bem, tem avondo!
Vou tomar um banho e vou-me pra rua, afinal, hoje é feriado!!
:o)))

Mocho_ao_Luar disse...

Um começo de dia delicioso!!;)
Obrigado pelas fotos. caso contrário não teria percebido nada do texto!:P
***

SC disse...

Que bela descrição e que palavras tão deliciosas!

menir disse...

Apesar de mui alentejana até eu fiquei um bocado despistada pela prosa (desconhecia algumas palavras, não todas), mas o meu alentejo é mais norte, talvez por isso. ;)